
O que segue é uma conversa imaginária com o famoso puritano Richard Baxter. Sendo assim, as perguntas abaixo foram elaboradas por mim mesmo, enquanto que as respostas foram extraídas de seus escritos.
Dr. Baxter, creio que talvez eu esteja sofrendo de depressão. Tenho me aconselhado com várias pessoas na igreja, já mudei minha alimentação e meus maus-hábitos de vida, mas continuo bastante deprimido, e chego a perder várias noites de sono durante a semana. Será que eu não deveria procurar um médico ou tomar algum tipo de remédio?
Se outros meios não funcionarem, não negligencie os remédios; e, embora as pessoas depressivas sejam avessas a eles, pensando que a enfermidade é apenas na mente, devem ser convencidas ou forçadas a tomá-los.
Richard Baxter, superando a tristeza e a depressão com a fé, ed. vida nova (p. 1103 de 1346 do kindle)
O senhor já conheceu alguém, talvez algum membro de sua igreja, que precisou tomar algum remédio para a depressão?
Conheci uma senhora com uma depressão profunda: há muito não falava, não tomava remédios nem suportava que seu marido deixasse o quarto. Em meio a toda aquela restrição e dor, ele faleceu. Então ela foi curada pelas drogas colocadas à força em sua garganta por um tubo.*
RICHARD BAXTER, SUPERANDO A TRISTEZA E A DEPRESSÃO COM A FÉ, ED. VIDA NOVA (P. 1108 DE 1346 DO KINDLE)
*Ainda hoje alguns pacientes são tratados de forma involuntária, caso ele ofereça um risco real para si ou para outros. Nos séculos XVI-XVII, esta prática era realizada com maior frequência.
Percebo que o senhor parece entender bastante do assunto. Então, por favor, me diga que tipo de médico eu deveria procurar.
escolha um médico que seja especialmente capacitado para tratar dessa doença* e tenha curado muitas outras pessoas. Não se relacione com mulheres e ostentadores ignorantes, nem com jovens inexperientes, nem com homens apressados, ocupados e que fazem mais do que podem, que não conseguem ter tempo para estudar as doenças de seus pacientes, mas escolha homens que sejam experientes e cautelosos**.
RICHARD BAXTER, SUPERANDO A TRISTEZA E A DEPRESSÃO COM A FÉ, ED. VIDA NOVA (P. 1108 DE 1346 DO KINDLE)
* Já no início da Idade Moderna, começavam a surgir as especialidades dentro da medicina. Provavelmente Baxter se referia a um tipo de médico especialista em doenças com manifestações mentais. Hoje, os profissionais que tratam de depressão e outros transtornos mentais são o psiquiatra e o psicólogo.
** Possivelmente Baxter se referia aos charlatães de sua época; pessoas que viajavam de cidade em cidade vendendo poções milagrosas e oferecendo tratamentos questionáveis. Infelizmente, ainda hoje, a prática continua comum.
Mas Sr. Baxter, os pastores não deveriam ser responsáveis por pastorear e cuidar das almas dos crentes?
Os medicamentos e a teologia nem sempre são administrados juntos pela mesma mão. […] Meu conselho é que aqueles que podem ter um médico circunspecto, cuidadoso, honesto, experiente, capacitado e vivido, não negligencie o seu uso. […] A doença chamada melancolia se instala formalmente no espírito, cujo desequilíbrio o desqualifica para seu ofício, servindo à imaginação, compreensão, memória e afeições. Assim, por meio do seu desequilíbrio, a faculdade do pensar fica enferma e se torna enferma como um olho inflamado ou um tornozelo torcido, incapaz de realizar um trabalho adequado.
RICHARD BAXTER, SUPERANDO A TRISTEZA E A DEPRESSÃO COM A FÉ, ED. VIDA NOVA (P. 1115 DE 1346 DO KINDLE)
Entendo… Mas a maioria dos casos de depressão têm sua origem na alma, e não no corpo. Mesmo nesses casos, ainda assim seria correto buscar ajuda de um médico?
Embora a doença comece na mente e no espírito, e o corpo ainda esteja são, o físico, se for purgado frequentemente, é curado. Mesmo que o paciente diga que as drogas não podem curar a alma, a alma e corpo estão ligados de modo maravilhoso nas doenças e nas curas. E ainda que não saibamos como isso acontece*, ao menos a experiência nos diz que acontece, e temos motivos para usar tais meios [os remédios].
RICHARD BAXTER, SUPERANDO A TRISTEZA E A DEPRESSÃO COM A FÉ, ED. VIDA NOVA (P. 1140 DE 1346 DO KINDLE)
* Hoje, por meio de estudos de neuroimagem, compreendemos com muito mais clareza como isto acontece. Por exemplo, pacientes que passaram por situações traumáticas durante a infância, apresentam menor neuroplasticidade na vida adulta e tendem a apresentar hiperfuncionamento em certas áreas do cérebro. É impressionante a maneira como Baxter reconhece e trabalha estas relações e conceitos que até hoje são objeto de discussão científica e filosófica.
FINIS