A Solução de Turretini para a Psicologia Moderna (parte 1)

François Turretini

Em 1897, o Papa João Paulo II realizou um discurso ao tribunal da Rota Romana, no qual criticava a psicologia moderna e seu conflitos com a religião cristã, mas sem deixar de reafirmar o valor dos avanços científicos nesse campo de estudo. Abaixo, segue-se uma de suas principais críticas:

[…] a visão antropológica, a partir da qual se movem muitas correntes no campo da ciência psicológica no mundo moderno, é decididamente, em seu conjunto, irreconciliável com os elementos essenciais da antropologia cristã, porque se fecha aos valores e significados que transcendem o dado imanente e que permitem ao homem orientar-se ao amor de Deus e do próximo como a sua vocação última.

João paulo II, la incapacidad psíquica y las declaraciones de nulidad matrimonial. discurso ao tribunal da rota romana, aas, lxxix (1987), págs. 1453-1459; 1455. apud. de aristóteles a freud, m. f. echavarría. edições c. i., pág 88.

A maioria dos protestantes não teria dificuldades em concordar com as palavras de João Paulo II. No entanto, a grande maioria também não saberia propor soluções para remediar o problema para o qual ele aponta.

Quando João Paulo II fala que a psicologia moderna “se fecha aos valores e significados que transcendem o dado imanente e que permitem ao homem orientar-se“, obviamente, ele se refere à revelação natural e sobrenatural, as quais devem orientar a vida psíquica, moral e sobrenatural do homem, e, isso, nesta ordem. Mas é sobretudo à Lex Naturalis (Lei Natural) que ele se refere. É a Lei Natural que está disponível a todas as pessoas, independentemente de qual seja a religião delas. Por meio dela (1) conhecemos a ordem da natureza, e de nós mesmos enquanto criaturas; (2) somos preparados para a Graça; (3) e desvendamos a sabedoria humana que a todos está disponível.

Assim, a Lei Natural é fundamental para a psicologia, enquanto ciência que estuda a ordem interior do homem. Como saber o que é um homem são? E até onde um dado sentimento, afeição ou comportamento pode ser considerado normal? Quais hábitos devem ser exercitados para cultivar uma mente saudável? Essas são algumas poucas perguntas que a psicologia se faz o tempo todo, apesar de formalmente negar que haja uma ordem no Universo. Não seria a hora de reconhecer essa ordem que está dada e acessível a cada um de nós!?

A doutrina da Lei Natural e o seu uso, conforme exposta por Turretini pode em muito nos ajudar a solucionar esses problemas. Vejamos o que ele escreve sobre o assunto:

Os ortodoxos […] afirmam que há uma lei natural, […] uma obrigação divina impressa por Deus na consciência do homem em sua própria criação, na qual se fundamenta a diferença entre certo e errado e que contém os princípios práticos da verdade imutável (tal como: “Deus deve ser cultuado”, “os pais devem ser honrados”, “devemos viver virtuosamente“, “a ninguém injurie”, […] Além disso, tantos remanescentes e evidências desta lei ainda são deixados em nossa natureza (embora tenha sido de diferentes formas corrompida e obscurecida pelo pecado) que não há mortal que não sinta a sua força, quer mais quer menos.

François turretini, compêndio de teologia apologética, ed. cultura cristã, vol. 1, pág. 19.

François Turretini parece afirmar aqui que a Lei Natural ensina aos homens a maneira certa de agir em relação si mesmo e aos seus pares. E que não há ninguém “que não sinta a sua força, quer mais quer menos“. Ou seja, certas pessoas são mais orientadas que outras, regem suas vidas baseadas nessa lei, ao menos em alguma medida.

Não é difícil concordar com Turretini aqui. Como pais cristãos, espíritas, budistas ou ateus conseguem criar famílias saudáveis? respeitar o matrimônio, formar filhos disciplinados e obedientes, e praticar certos atos virtuosos?

Ora, mesmo os não-cristãos são guiados pela Lei Natural, quer mais quer menos, e, por isso, colhem bons frutos quando ordenam suas vidas conforme essa regra universal. É o que afirma Turretini:

[…] as ações morais dos pagãos não são per se pecados (e quanto à substância da obra), mas por acidente (quanto ao modo de operação) nas condições essenciais (em virtude das várias imperfeições supramencionadas). […] A recompensa terrena […] se relaciona apenas com as coisas perecíveis que Deus outorga indiferentemente aos réprobos e aos eleitos. Essa é uma prova notável da justiça divina, com o fim de ensinar o quanto a verdadeira piedade lhe agrada quando ele não só remunera as virtudes genuínas com recompensas eternas, mas também as imagens das virtudes com bençãos temporais […].

FRANÇOIS TURRETINI, COMPÊNDIO DE TEOLOGIA APOLOGÉTICA, ED. CULTURA CRISTÃ, VOL. 1, PÁG. 846-7.

Algum cristão poderia retrucar “mas isso não conduziria o homem por um caminho de salvação por obras?”. A reposta é não. A Lei Natural instrui e preserva o homem até onde a natureza permite. Até aí o homem se beneficia dela. Daí em diante, ele precisa encontrar a Graça, sem a qual ele não pode prosseguir para o seu pleno desenvolvimento, ou seja, a vida sobrenatural.

É claro que no meio do percurso há muitos obstáculos que impedem o homem natural de fazer um bom uso possível dessa lei. São justamente esses obstáculos que preparam o homem para a Graça. Veremos isso melhor na parte 2 desse artigo.

Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis, se vos falar das celestiais? (João 3:12)

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