Thomas Watson sobre a Alma Humana (Psyche)

No último artigo comentei sobre um importante texto em que Thomas Watson revela seu apreço por uma teologia natural construída a partir da anatomia e da medicina. Nesse texto, o autor nos revela agora uma teologia natural da alma, e não mais do copro, construída a partir da psicologia pré-científica¹.

b. a alma do homem

Isto é o homem do homem. O homem, com relação à sua alma, tem parte com os anjos. Mais ainda, como diz Platão, o entendimento, a vontade e a consciência são um espelho que remete à Trindade. A alma é o diamante no anel, é um vaso de honra; o próprio Deus se serve desse vaso. É uma centelha do brilho celestial, diz Damasceno. Davi admirou a estrutura extraordinária e a feitura de seu corpo: “por modo assombrosamente maravilhoso me formaste… entretecido como nas profundezas da terra” (Sl 139.14,15). Se o porta-jóias foi tão maravilhosamente formado, o que dizer da jóia? Quão magnificamente foi entretecida a alma. Desta maneira se pode ver quão gloriosa é a obra da criação, especialmente o homem, que é a epítome do mundo.

Thomas Watson – A Fé Cristã – Estudos baseados no Breve Catecismo de Westminster, Ed. Cultura Cristã 2009, p.143.

Gostaria de tecer alguns comentários acerca das frases do autor que se encontram em negrito.

Em primeiro lugar, notamos que Watson assume o princípio da analogia entis como forma legítima de conhecer a alma humana, a psyche. Sendo assim, para Watson, uma psicologia baseada em conhecimentos naturais é perfeitamente cabível. Existe uma analogia e uma hierarquia entre os seres, que vai desde o próprio Ser por exclência, passando pelos anjos e pelos homens até chegar no mundo das plantas e dos animais. De fato, o próprio Espírito Santo falando nas Escrituras afirma: “Vós sois deuses” (Sl 82.6), e também “que é o homem, que dele te lembres? E o filho do homem, que o visites? Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que os anjos e de glória e de honra o coroaste” (Sl 8.4,5). No entanto, o homem, em muitos aspectos, é bastante semelhante aos animais, em corpo e alma, como se verá mais adiante.

Watson segue citando Platão e sua divisão clássica das faculdades superiores da alma – entendimento (razão), vontade e consciência. Alguém pode perguntar: mas e os afetos (ou sentimentos)? Por que Thomas Watson não os cita? Ora, o motivo já fora dado na frase anterior. Ele está tratando daquilo em que a alma humana se difere da alma animal e se assemelha aos anjos. Veja você que, para Watson, asssim como para a maioria dos puritanos, o que nos difere dos animais são essas faculdades: razão, vontade e consciência (alguns não entendiam a consciência como uma faculdade diferente da razão). Já aqui erige-se todo um arcabouço psicológico infinitamente superior ao que têm sido proposto em muitas escolas modernas de psicologia.

Por último, notamos no texto em questão que Watson parece ser um platonista em sua psicologia quando utiliza uma linguagem que lembra bastante o esquema platônico “corpo como casa da alma”. É difícil avaliá-lo, uma vez que essa linguagem se popularizou de maneira muito forte no cristianismo devido aos escritos de Santo Agostinho, este sim um fiel platonista em sua psicologia. No entanto, platonista ou aristotélico, Watson reconhece uma hierarquia interior do ser onde a razão e a vontade devem reniar, e o princípio da analogia entis, tão caro a uma boa psicologia.

FINIS

[1] O termo psicologia pré-científica designa todo o conhecimento milenar produzido sobre psicologia antes do advento da ciência moderna. Segundo Izabel Ribeiro Freire, tal período data do século VI a.C até 1879 (Cf. Izabel R. Freire, Raízes da Psicologia, Ed. Vozes 15ºEd 2014, p.17).

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