
O texto que se segue foi extraído da obra de Chemnitz, Enchiridion (1593), que chegou ao Brasil graças ao empreendimento do pastor luterano Nathan Buzzatto. A obra pode ser encontrada no site Clube de Livros.
Pois as Escrituras distinguem pecados, ou seja, nos santos ou renascidos, existem alguns pecados pelos quais eles não são condenados, mas ao mesmo tempo mantêm a fé, o Espírito Santo, a graça e o perdão dos pecados. Rm 7:23-28; 1 Jo 1:8-9; Sl 31:1. Mas as Escrituras testificam que também existem outros pecados nos quais os reconciliados, quando caem, perdem a fé, o Espírito Santo, a graça de Deus e a vida eterna, e se sujeitam à ira divina e à morte eterna, a menos que novamente, eles sejam reconciliados com Deus pela fé. Rom 8:13; 1 Co 6:10; Gl 5:21; Ef 5:5; Cl 3:6; 1 Jo 3:6,8; 1 Tm 1:19; 2 Pe 1:9. E a distinção útil entre pecado mortal e venial é extraída dessa base. Paulo fala de pecado governando a consciência ou com a consciência repudiada, e pecado que de fato habita na carne, mas não governa. 1 Tm 1:19; Rm 6:12,14; 7:17.
Martin Chemnitz, Enchiridion, Ed. Bookess, p.205.
A distinção evangélica aqui entre pecados mortais e veniais é muito simples e bíblica, e ao contrário do que pode soar não é uma distinção desnecessária e racionalista. Antes, ela é útil e pastoral. Existem pecados que nos fazem cair da Graça (por isso a Escritura nos exorta a reter a Graça que nos foi dada), fazem a fé naufragar e assim, retiram de nós a declaração de justiça que nos é dada por Deus na Palavra e nos Sacramentos. Todavia, alguns pecados, ainda que prejudiquem nossa comunhão momentaneamente, são logo subjugados – a Fé prevalece.
Logo adiante, Chemntiz pergunta no Enchirdion: “Qual é o uso de reter e sinceramente inculcar essa diferença entre o pecado mortal e venial na igreja?” Eis a resposta:
I. Para que possamos aprender a reconhecer e sinceramente evitar pecados mortais.
II. Se somos apanhados nesse tipo de pecado, não perseveramos obstinadamente e continuamos neles impenitentemente.
III. Que tentemos ao máximo restringir e controlar o pecado que habita em nós, para que não se torne mortal. Pois, quando essa distinção é negligenciada ou não é entendida e usada corretamente, os cristãos também frequentemente caem em segurança e impenitência. Portanto, os pastores devem ser lembrados e treinados nos exames, não apenas para listar os 7 pecados mortais (ou capitais), mas também para poder indicar aos seus ouvintes, em cada Mandamento, quais pecados são mortais, e quais são veniais.
Martin Chemnitz, Enchiridion, Ed. Bookess, p.205-6.
Chemnitz é sucinto aqui, e mais adiante ele refere o leitor à obra de Melanchton – que dá um tratamento mais extenso sobre o assunto. Creio que deveríamos ler o que ambos têm a dizer. Ambos foram grandes homens no intelecto e no coração. Existe fundamento aqui (em suas obras) para elevar o nosso entendimento a respeito de nós mesmos e da nossa vida interior. Quando leio esses defensores da reforma conservadora, sinto que estou lidando com uma teologia que é católica e evangélica ao mesmo tempo – vivendo o melhor de dois mundos. Creio também que essa distinção entre pecados não é útil somente à teologia no âmbito da igreja, mas também à psicologia. Pretendo escrever e falar mais sobre esse tópico em outro momento. Por hora, encaminho ao leitor à obra de Chemnitz traduzida por Nathan Buzzatto.
Se os pecados mortais são sinônimos de pecados capitais, então os evangélicos estão em maus lençóis com o pecado da gula.
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