Nesses últimos dias, enquanto penso nos preparativos para a chegada de minha filhinha ao mundo – nossa pequena Maria – me pus a pensar mais sobre o significado do batismo de uma criança para toda a família e sociedade que nos observa. Como expressar em atos litúrgicos e festivos aquelas vivas verdades que as Escrituras afirmam tão claramente sobre o lavar regenerador da Palavra no Santo Batismo (Tt 3:5)? Creio que a nossa tradição – católica-evangélica (luterana) – tem muito a nos ensinar aqui. Os batismos realizados nas igrejas evangélicas alemãs do século XVI eram realmente marcantes e significativos, reverentes e festivos ao mesmo tempo, um tipo de experiência singular que conseguia traduzir em ato tudo o que as Escrituras tem a dizer sobre o batismo. E isto, eles faziam por meios dos ritos secundários que acompanhavam o batismo. Digo secundários, pois eles nunca foram entendidos como essencialmente necessários, como se a validade do batismo dependesse de tais coisas.
Veja o que Heinrich Schmid reúne dos escritos luteranos ortodoxos sobre este assunto:
Ao ato [do batismo], acrescenta-se uma série de cerimônias e usos mais ou menos importantes, todos eles embora não sendo essenciais ao batismo, pretendem apenas tornar o ato mais solene. [Johann] Gerhard (IX, 308, seq.) especifica os seguintes [usos] comuns em nossa Igreja: “A admoestação quanto ao pecado original [visto que João admoestou aqueles que vinham ao batismo a respeito de suas vidas infrutíferas, Mt 3:10], a concessão de um nome [como na circuncisão, Lc 1:59], o exorcismo menor, o sinal da cruz [“para testificar que a recepção do infante na graça ocorre somente por meio do mérito do Cristo crucificado”], orações [seguindo o exemplo de nosso Senhor, Mt 19:14; Mc 10:14], a recitação do Evangelho, a imposição de mãos, a recitação do Pai Nosso, o uso de padrinhos.” Aqui pertence também a renúncia a Satã (“por meio da qual aqueles que estão para ser batizados, expressam solenemente em palavras que renunciam a Satã e todos os seus artifícios”). Concernente ao exorcismo, Gerhard (ib. 310) diz: “É um testemunho: 1. Do cativeiro espiritual dos infantes no reino de Satã, por causa do pecado. 2. Do fato de que o Messias veio e da redenção adquirida por sua obra; que o homem forte foi vencido e os espólios são distribuídos por meio da Palavra e dos Sacramentos. 3. Da eficácia divina pertencer ao batismo, pelo qual os infantes são transportados do poder das trevas para o reino do Filho de Deus. 4. Do fim principal do ofício ministerial, consistindo não apenas na aplicação dos benefícios de Cristo aos crentes, mas também na guerra incessante contra Satã. 5. É uma confissão pública da Igreja contra os erros dos pelagianos, anabatistas e zwinglianos. E é aprovado pelos testemunhos da Igreja primitiva […]. Chemnitz (Loc. c. Th., III, 161): “Aqueles que omitem ou rejeitam o exorcismo com a opinião e pela mesma razão dos anabatistas e sacramentarianos, porque pensam que os infantes não têm nenhum pecado, e, portanto, não são, por natureza, filhos da ira, ou não estão sob o poder de Satã; ou que, embora sejam nascidos em pecado, em virtude de seu nascimento segundo a carne dos pais crentes, mesmo antes do batismo e sem o batismo, não estão fora do reino do céu e sob o poder das trevas, certamente merecem ser repreendidos e culpados… Mas se essa doutrina do pecado original, do poder e reino de Satã e da eficácia do batismo é garantida por meio de uma aberta confissão; a substância, integridade e eficácia do batismo não dependem deste rito prescrito das palavras do exorcismo, mas a Igreja tem a liberdade de propor e explicar este doutrina em outras palavras mais concordantes com as Escrituras.” A fórmula na Igreja antiga era essa: “Eu te esconjuro, espírito imundo, que tu saias deste servo de Jesus Cristo, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.” [Caspar] Broachmann (692), todavia, observa: “As palavras têm, é verdade, a forma de uma ordem, mas elas devem ser tomadas no sentido de uma oração a Deus, com confiança, e com uma natural animosidade, visto serem proferidas contra o inimigo a ser expulso.”
Henrich Schmid, Doctrinal Theology of The Evangelical Lutheran Church, Just and Sinner Publications 2020, pp. 615-16.
Fico feliz de pertencer a uma tradição cristã em que o batismo não é visto apenas como a porta de entrada para uma sociedade religiosa, e nem como uma mera “ordenança”. Batismo é a vitória do Christus Victor na vida do pequeno cristão. Esta vida que passou pelas águas do Santo Batismo é como uma tripulação que está sempre em alto mar bravio e ao mesmo tempo sempre perto do porto seguro, afinal, Deus está sempre propício para com aquele que foi lavado no batismo pelo sangue do cordeiro (1Co 6:11). Tamanha é a graça da glória de Deus neste momento, que nós ousamos dizer para o próprio Diabo durante o “exorcismo menor” que ele está derrotado, não por nossa própria força, mas pela Cruz, cujo sinal o Ministro da Palavra desenhou na fronte daquele que está diante da pia batismal. Daí a insistência de Lutero em que o crente faça o sinal da cruz todos os dias de sua vida logo ao acordar, não por superstição, mas para trazer à lembrança o seu batismo, sua vitória pessoal contra os poderes do mal.
Tal era a importância deste momento para as igrejas antiga e medieval, que mesmo o nome da indivíduo era concedido no dia do batismo. E o motivo é muito simples: a verdadeira identidade e a verdadeira vida não se iniciam no nascimento carnal, mas naquele que é sobrenatural: “Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo” (Jo 3:5-7). Pois bem, se aquilo que mais importa para nós acontece no batismo – vitória, perdão, vida e salvação – seria estranho se abolíssemos entre nós o costume de se festejar após a cerimônia religiosa. Afinal, há mais sentido em celebrar este dia do que a própria data de nosso aniversário. Portanto, meus amigos, lembrem-se disso sempre que forem participar deste bendito sacramento na vida de alguém: Alegrai-vos! Talvez seja o caso de resgatarmos alguns costumes antigos da rica tradição de nossa Igreja, afim de que aprendamos novamente a experimentar a alegria e animosidade propícias para momentos como este. Isto com certeza dará um novo vigor missionário para nossas comunidades e famílias.